Uma igreja imponente no alto de uma serra, semi-oculta pela vegetação. Capelas onde só se chega por estradas sinuosas, algumas sem pavimentação. Um castelo sobre um penhasco na beira do mar. Construções em bairros afastados. Por que os Arautos do Evangelho constroem suas igrejas em lugares assim?
As igrejas dos Arautos do Evangelho chamam a atenção por dois aspectos: por sua beleza e por sua localização. Quase todas elas estão localizadas em locais afastados e de difícil acesso, algumas só oferecem como opção de trajeto estradas de terra pedregosa e esburacadas, completamente tomadas pelo barro quando chove.
E, mesmo as construções maiores, como as duas basílicas próximas à capital paulista, uma em Caieiras e outra em Cotia, estão em lugares distantes e são acessadas por estradas estreitas, sinuosas e de mão dupla. Há algum motivo para que os Arautos construam suas igrejas em lugares assim?
Bem, antes buscarmos respostas para essa pergunta, não podemos deixar de salientar que, tanto as pequenas capelas quanto as grandes igrejas, apesar do acesso nem sempre fácil, são muito visitadas e estão sempre lotadas, com fileiras de cadeiras sendo adicionadas e, não raro, com pessoas ficando em pé.
Não são os Arautos que escolhem os locais
Quando ouvi essa resposta dada em meio a um largo sorriso pelo Pe. Ricardo Basso, confesso que fiquei um tempo sem entender. Mas, em sua bondade e alegria contagiante, o sacerdote veio em meu socorro:
– De fato, não somos nós que escolhemos os locais onde as igrejas serão construídas, é Nossa Senhora quem escolhe por nós.
Uma resposta com base na fé, mas, convenhamos, a princípio não esclareceu muito.
– O senhor não acredita, não é mesmo? Mas é exatamente assim que acontece. Nós somos religiosos e vivemos da fé. Onde Nossa Senhora manda, nós vamos. O que ela determina nós fazemos.
– O senhor me desculpe, padre, mas, como é que vocês sabem o que Nossa Senhora quer? Isso não é um tanto subjetivo?
Ele sorriu novamente e retomou a explicação.
– Deixe-me lhe dar um exemplo. Quando o senhor era criança, era sua mãe que preparava a sua comida, estou certo?
– Sim, claro.
– E o senhor costumava comer ou rejeitar o que ela lhe servia, considerando que talvez não gostasse do sabor de um ou outro alimento?
– Eu comia.
– Se o senhor comia, mesmo que não se agradasse muito de alguma coisa, algum tempero, era porque o senhor confiava nela e sabia que aquilo que ela estava lhe oferecendo não iria lhe fazer mal, pelo contrário, era o que o senhor precisava para se desenvolver de forma saudável, concorda?
– Sim, é isso mesmo.
– Pois bem, conosco, acontece a mesma coisa. Nós somos consagrados a Nossa Senhora, entregamos a ela as nossas vidas e confiamos que ela cuidará de nós e apresentará ao seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, todas as nossas necessidades.
Os Arautos falam com Nossa Senhora?
– Mas, vocês falam com ela… quero dizer, vocês a veem como as crianças viram Nossa Senhora em Fátima, ou em Lourdes?
– Não, nós não a vemos dessa maneira, não se trata de novas aparições. Mas, nem por isso, nós deixamos de confiar nela. O senhor não vê a eletricidade, mas não duvida que, ao acionar o interruptor, vai acender a luz, não é verdade?
– Sim, é verdade.
– O senhor ou qualquer outra pessoa que tenha um celular também não vê a internet, mas, não duvida que ela existe e que, desde que o senhor pague uma operadora ou se use uma senha de Wi-Fi ela vai estar aí, no seu celular, produzindo “verdadeiros milagres”.
Dessa vez fui em quem sorri diante de sua lógica irrefutável.
– Pois bem, toda pessoa que tem fé sente a presença de Deus, a presença de Nossa Senhora. Nós vivemos da graça de Deus e Nossa Senhora é a medianeira de todas as graças, então, nós vivemos na dependência dela e do seu auxílio.
– O senhor me desculpe, padre, mas ainda não entendi aonde o senhor quer chegar. Estou escrevendo um artigo e preciso ser claro e objetivo com os meus leitores…
– Muito bem, vamos ser claros e objetivos! Quando o Monsenhor João Clá fundou os Arautos do Evangelho, no final da década de 1990, não existia um planejamento de mudança para a Serra da Cantareira e para nenhum outro lugar afastado.
– Sim?
– O Monsenhor João nasceu em São Paulo, capital, bem como o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, que foi o seu formador. Desse modo, a fundação dos Arautos do Evangelho se deu em São Paulo. Nossa casa mãe fica na zona norte da cidade, no Jardim São Bento. No entanto, a obra criada pelo Monsenhor, em harmonia com os objetivos do Dr. Plinio, foi criada para ser uma obra grandiosa. O desejo do Monsenhor, ou antes, o desejo de Deus refletido no Monsenhor João é o desejo de mudar a face da terra.
– Nossa!
– Grandes homens, grandes obras!
Como foi que tudo começou?
– Bem, mas por que vocês começaram a ir para lugares de difícil acesso?
Ele riu de novo:
– Isso eu já lhe respondi!
– Porque era a vontade de Nossa Senhora, repeti.
– Isso mesmo! Mas, calma, eu vou lhe revelar o nosso grande segredo… O senhor está preparado?
– Claro!
– Nós somos uma associação religiosa, vivemos da providência divina, então, como religiosos, nós rezamos e nos colocamos nas mãos de Nossa Senhora, para que ela nos mostre qual é a vontade de Deus a nosso respeito e que caminho devemos seguir. Nós já vivemos situações que, de manhã saíamos para fazer uma campanha para arrecadar donativos, como vender adesivos de Nossa Senhora num farol, por exemplo, para termos dinheiro para comprar o jantar daquele dia. Hoje, quem vê as nossas igrejas, tão bonitas, tão suntuosas, não imagina que passamos por isso.
– É difícil imaginar mesmo!
– Mas passamos! Isso e muito mais! Mas, o que interessa agora é a localização de nossas igrejas!
– Isso!
– Pois bem! Aconteceu que recebemos a doação de um grande terreno, onde por muitos anos funcionou uma hípica. Dizem que “cavalo dado não se olha os dentes!”, no caso, não olhamos mesmo, porque já não havia mais cavalos, apenas o terreno onde eles eram criados e as antigas baias. Nós aceitamos com muito gosto a doação, embora nem soubéssemos ainda o que fazer naquele terreno, um lugar de não muito fácil acesso, como o senhor diz.
– Onde é esse terreno?
– Aqui! Exatamente aqui onde estamos conversando! Ali, onde hoje está a Igreja, era um campo, onde os cavalos eram treinados. Não tinha nada, era só um gramado. Aqui, onde estão esses dois prédios, à nossa esquerda, ficavam as baias dos cavalos.
– Puxa!
– Pois é! Mas, onde todos viam mato, dificuldade de acesso, distância, nosso fundador, Mons. João, viu possibilidades. Ele olhou para esse lado e viu a Igreja, para aquele e viu o prédio de moradia, aqui a escola, mais acima o centro de convenções. Nós acreditamos que Nossa Senhora mostrou isso tudo para ele, e ele executou a vontade dela e hoje temos essa igreja que causa admiração nas pessoas.
– E que admiração!
– Até então, era apenas a doação de um terreno, muito empenho, muita luta e muito trabalho. Mas depois, começaram a surgir outros locais, aqui mesmo nessa região. Então foi ficando mais claro que nossa vinda para cá tinha um propósito.
Eles receberam uma paróquia
– Então, aos poucos, nós fomos buscando donativos, construindo, nos mudando para cá, no começo em condições precárias, depois a coisa foi crescendo. E surgiram outras doações, outros terrenos. Pessoas que nos conheciam e gostavam do nosso carisma também começaram a comprar ou alugar casas nessa região e se mudarem para cá e foi se consolidando uma comunidade.
– Interessante.
– Como é natural, nós nos reportamos ao Bispo da Diocese de Bragança Paulista, à época Dom José Maria Pinheiro, responsável por esta região, e ele acabou nos incumbindo dos cuidados com a Paróquia Nossa Senhora das Graças, que abrange o território de Mairiporã, Caieiras e Franco da Rocha, e tem uma dezena de capelas, em diversos pontos aqui da Serra da Cantareira. Muitas estavam fechadas, porque eram distantes e, o senhor sabe, infelizmente, faltam sacerdotes. Precisamos rezar muito pelas vocações! Pode colocar isso aí no seu artigo.
– Está certo!
– Nós aceitamos de bom grado essa missão, vendo nisso mais um mover da graça, mais uma ação de Nossa Senhora. E fomos nos envolvendo cada vez mais com a comunidade local, muito participativa e hoje todas as capelas funcionam normalmente, todas são atendidas por nossos sacerdotes.
– Interessante, mas, e nos outros lugares?
– Concomitante a isso, houve uma grande expansão dos Arautos do Evangelho por várias regiões do Brasil e por mais de 70 países. E, em dado momento, nós notamos uma característica muito peculiar: os terrenos que conseguíamos ou que nos eram oferecidos, em muitas localidades, tinham essa mesma propriedade de serem mais afastados, em contato com a natureza, às vezes com o acesso um pouco mais difícil.
– E o senhor atribui isso a algum motivo especial?
– Bem, essa pergunta só quem pode responder plenamente é Nossa Senhora, porque, esses anos todos, nós só estamos respeitando a vontade dela, para onde ela nos manda, nós vamos!
– Realmente, é algo bem sui generis.
Um pedaço do Céu!
– Então, mas o senhor veja sobre outro prisma, não é que nós escolhemos lugares distantes, afastados, difíceis de se chegar. Esses lugares é onde Deus quer que a Igreja chegue, e nós estamos cumprindo a vontade de Deus. Todos os lugares em que nós recebemos o cuidado com alguma capela ou em que construímos uma igreja não são lugares desertos e desabitados. Muitas vezes, eram lugares com comunidades desassistidas, pela própria logística, compreende? E Deus nos incumbiu de levar o seu Evangelho a esses lugares. É essa a nossa missão, afinal, nós somos Arautos do Evangelho, levamos a mensagem de Nosso Senhor onde Ele nos encaminha.
– Não tinha pensado por esse lado. Mas, uma igreja como esta não é frequentada apenas pelos moradores locais, aqui e as outras igrejas desse porte que vocês construíram sempre recebem muita gente, pessoas que vêm de longe para conhecer.
– Isso mesmo, e talvez esta seja a outra parte do segredo! Deus deseja que as pessoas estejam mais recolhidas, num local mais afastado, mais silencioso, mais convidativo à meditação, à reflexão. É claro que todas as igrejas católicas cumprem esse papel, mas, muitas vezes, sobretudo nos grandes centros, o acesso é até mais difícil do que aqui ou em outras igrejas dos Arautos em bairros mais afastados, pelo, e tem o barulho, a violência. Aqui as pessoas encontram…
– Recolhimento!
– Exatamente! Recolhimento! Talvez seja isso que falte. Esse recolhimento, a possibilidade de se religar com o sagrado. E nós oferecemos isso cuidando de todos os detalhes, na decoração, na iconografia, nas cores, nos jardins, na música.
– Parece um pedaço do Céu!
– É assim que nós nos sentimos. Como todos, enfrentamos dificuldades, temos nossas lutas, mas, olhando ao nosso redor, parece que nós vislumbramos um pedaço do Céu. E é isso que temos para oferecer, para partilhar com as pessoas que vêm assistir às nossas Missas, fazer a catequese, confessar-se, buscar um aconselhamento. Nisso nós sentimos que estamos atendendo aos desejos de Nossa Senhora.
– Padre, se o senhor me permite, eu não vou escrever um artigo, mas apenas transcrever a nossa conversa.
Ele sorriu mais uma vez. Olhou para o relógio e me disse:
– Como queira! Agora, permita-me dar-lhe uma bênção. Nossa conversa está muito agradável, mas estão me esperando para uma reunião.